Fonte: Jornal do CEM - Por: Cristina Helena Sarraf

A - Crise sempre existiu
Em cada época da história humanidade terrestre, foi reconhecida a existência de uma crise.

Fruto de algum desequilíbrio, profundo ou superficial, do status quo, essas crises foram reais, quando a sociedade sofreu reflexos penosos em uma ou mais de suas características, ou aparentes, quando algum aspecto da organização social passou por modificações naturais, desagradando ou atemorizando os mais conservadores. Basta ler relatos e jornais de época e vamos encontrar a palavra crise, apresentada com cores berrantes, quando não terríveis.

Em um século no Brasil, por exemplo, passou-se por ditadura, duas guerras mundiais, revoluções populares e militares, inflação, disputas ideológicas, novas doenças, dissolução dos antigos valores familiares, igualdade da mulher e das minorias, industrialização, avanço tecnológico, afora os grandes fenômenos atmosféricos, que por aqui são brandos. E mais os reflexos, diretos ou indiretos, das crises dos demais países, que cada vez mais nos atingem pelo processo globalizador das atividades humanas.

Em todos os países, a cada fase atingida por um ou mais desses eventos, a idéia da crise se instala, vista como uma situação caótica, sem controle, gerando medo, desequilíbrio social e abusos generalizados.

No entanto, dependendo do enfoque dado, a crise pode ser também, uma época de oportunidades de aprendizagem e criatividade, de reciclar condutas, valores, estratégias e encontrar formas novas e mais eficientes de viver e interagir.

O uso do termo crise, com a conotação psicológica de desgraça, demonstra um predomínio das emoções sobre a razão e da contaminação social, por idéias negativadas e dilapidadoras das forças morais das pessoas. Usá-lo, entendendo ser o ponto mais crítico de um processo que se instala e declina, não estabelece pânico; e pode ser uma forma de despertamento e educação moral e espiritual. Crise existe. Ela é o pico de um processo desarmonizador.

É a soma potencializada de muitas consequências ruins, fruto da maneira “cega”, orgulhosa e destemperada de se usar o livre arbítrio; seja por parte de uma pessoa ou de cada uma das pessoas envolvidas.

Nossas posturas íntimas geram pensamentos e ações; e também, a ausência de percepção e de reação adequada. Por causa disso, atitudes vão sendo tomadas, coisas vão acontecendo, situações vão se instalando… tudo criado por essas posturas, face ao que nos cerca ou atinge. O acúmulo de consequências negativas produz a crise. É sempre esse seu processo de formação, seja ela pessoal, social, moral, financeira, familiar ou da saúde física ou mental.

Toda crise tem vida curta, nunca é algo perene. Após estabelecida, dura um período que sempre é menor do que o tempo de sua formação e começa a decrescer, declinando gradativamente, até o processo alcançar seu possível equilíbrio.

Num futuro, próximo ou remoto, se as posturas íntimas (causas), não tiverem sido percebidas e transformadas, o processo vai se instalando de novo e pela somatória das consequências, acontece outro pico da problemática, ou seja, a crise.

B - Princípios da Doutrina Espírita aplicados na vida e em conhecimentos atuais
Trazendo Princípios do Espiritismo como base de análise, porque eles formam uma nova filosofia que também é ciência, podemos construir raciocínios que nos levem a entender a colaboração espírita para esse período histórico, considerado por muitos como de crise moral.

Algumas citações de O Livro dos Espíritos (LE), de A Gênese (G) e da Revista Espírita editada por Kardec (RE) estão incluídas, como sugestão para melhores pesquisas e estudos.

1. Somos Espíritos, indivíduos individualizados e responsáveis, cada um por si. (LE- 79)

A sociedade, sendo a soma dos indivíduos que a compõem, encarnados e desencarnados, reflete a somatória das características individuais, em cada tempo observado.

2. Os Espíritos evoluem, gradativa e pessoalmente, caminhando da inconsciência para a consciência das coisas, aprofundando-se no significado de tudo, ou seja, conscientizando-se de si e das Leis

Universais que regem a Vida. (LE-120)

3. Moral é o comportamento individual, em conformidade com a evolução pessoal. Ela varia, numa mesma pessoa, em relação aos muitos aspectos da vida, caminhando para a descoberta do que seja o Bem verdadeiro; isso, na medida em que cada um enfrenta suas situações, e apesar da pressão das regras sócio-religiosas, que também variam no tempo e nos grupos. (LE- 629 e 633)

Somos, pelo nosso tipo de evolução, ao mesmo tempo bons e maus; justos e injustos; corretos e incorretos; leais e desleais, amorosos ou vingativos… dependendo do momento, de quem interage conosco e do que nos favorece ou fere.(LE- 100); (RE – novembro de 1860 ? Dissertações Espíritas ? “Honestidade relativa”).

A moral espírita não é feita das regras da moral tradicional e sim, do conhecimento que se possa ter dos Princípios do Espiritismo, filtrados pelo ensino resumido das lições de Jesus: Agir com o outro como queremos que ajam conosco. (LE ? 632)

A evolução moral da sociedade depende da dos indivíduos que a compõem, obviamente!

4. O grau evolutivo de cada um tem uma coerência intrínseca. Nele, os erros e acertos são naturais e promovem a evolução, num processo consciente ou não, de reciclar pensamentos.

Esse chamado “grau” não é a causa de vivermos bem ou mal e sim como nos colocamos face às circunstâncias. (LE- 633)

Os mais maduros espiritualmente mostram uma amplitude maior de visão e de auto-domínio, não ficando tão á mercê do externo e da própria ignorância, face ás circunstâncias da vida.

5. Nossos pensamentos, palavras e atos resultam das posturas íntimas, face às situações. E são elas, essas posturas íntimas, o nosso modo de “ver” as coisas e como nos posicionamos por dentro de nós mesmos, que determinam as respostas da Vida às opções e escolhas que fazemos. São os efeitos ou melhor, as consequências naturais do uso do nosso livre arbítrio, como diz Kardec. (LE – 845)

Algo acontece, por exemplo, e me ponho dentro e mim, com coragem ou medo ou vitimismo ou aceitação ou auto-valorização ou melancolia ou alegria ou revolta ou sinceridade ou mágoa ou orgulho, ou autoritarismo, pesar ou rigor, auto-depreciação, subjugação, descontração, franqueza, ambição, neutralidade, recusa, vaidade, rotina, renovação, oportunidade, dor, superação, disciplinação ou algumas dessas posturas juntas, e também outras… criando idéias, sentimentos, atos e condutas correspondentes.

6. No decorrer da vida vão chegando dificuldades, não por castigo pelos erros ou por imposição divina, mas fruto das posturas e escolhas do presente e do passado. Tendo nos dotado de livre arbítrio, Deus não interfere. Vivemos como podemos, inseridos em suas Leis. Nada as derroga porque somos Espíritos em evolução e nos equivocamos por ignorância ou atraso moral. Errar nos leva a descobrir melhores opções. (LE – 365)

É engano pensar que haja idéias, condutas ou posturas padrão universal, que devam ser adotadas para se viver melhor. Ou copiamos os outros ou encontramos o que possa ser mais de acordo com a natureza de cada um, sendo esse o seu melhor. Isso é bom senso!

Seja qual for o comportamento que adotemos, o Bem faz bem e sua ausência, faz mal. Para quem age e ao seu redor. (LE ? 636)

7. A moral de uma pessoa/Espírito não piora. Mas a criatura pode ter entrado numa fase em que predominem aspectos seus, pouco desenvolvidos e/ou situações graves mal resolvidas num passado próximo ou remoto, o que dá a impressão dela ser hoje pior do que foi ontem. (LE-398)

A personalidade, de todos nós, é fruto das circunstâncias atuais e não revela a plenitude do ser espiritual que somos. Mas há “subidas” de aspectos do passado, acessados por nossas posturas e condutas do presente, o que é perfeitamente natural. (LE-395)

8. O Espírito pensa e com isso qualifica seu perispírito, vibratoriamente, no teor do pensamento, e caracteriza seu corpo físico nesse mesmo teor, pelos estímulos que disparam a produção de substâncias intracelulares. (LE-370 e G-cap.XIV – 14); (RE – março de 1869 ? “A carne é fraca”).

Essa qualidade fluídica ganha o ambiente, porque se expande da fonte geradora e participa da rede de interinfluências que congrega todos os Espíritos.

Isso significa que não há uma realidade pronta e acabada, na qual precisamos nos inserir e sim que cada um cria a sua realidade, á partir de seus pontos de vista, e a mantem ou altera segundo suas posturas interiores.

Por outro lado, nada que nos chegue ou envolva começou fora de nós e sim é uma espécie de reflexo do nosso íntimo, coerente por afinidade e pelas consequências naturais, com as posturas e os modos de ser e entender que cultivamos. Isso anula qualquer ilusão de sermos vítimas de algo ou alguém, reforçando que somos os senhores de nós mesmos, haja o que houver.

C- Idéia sucinta sobre a mente
A mente é uma especialização que cada Espírito desenvolve em si mesmo, durante seu processo evolutivo; tem funções específicas de cognição, memorização, automação e condicionamento. A mente grava,

pela repetição, as condutas, idéias, sentimentos e pensamentos. Depois reproduz o que está gravado, toda vez que esse assunto for acessado, determinando nossas reações porque se antepõe à razão. Será assim enquanto não prestarmos atenção e buscarmos distinguir as escolhas escolhida, das condicionadas e automatizadas. É uma questão de conscientizar-se de si mesmo.

A vida familiar e social, sem as quais não progredimos, facilita os condicionamentos mentais, pelas regras e costumes que nos ensinam e exigem que cumpramos. Mas cabe a cada um examinar e escolher como quer agir, independentemente da vontade alheia, e buscar suas motivações e verdade íntimas, como base das escolhas e das decisões.

D- Somando as informações e refletindo: caminhos para soluções
1.A vida responde na conformação de “onde” me pus, dentro de mim. Ou seja, estou onde me ponho! Ninguém me pos nisso. Fui eu!! Tudo que tenho de bom e de ruim é mérito meu.

2.Em cada momento a faca e o queijo estão nas minhas mãos e posso mudar o que não está bom. Mas só querer não resolve. É preciso agir; e equipar-se, se não pode agir agora.

3.Sou uma pessoa real e não ideal. Nem sempre posso ser melhor, porque sou real.

4.Quando estou ao meu lado ou contra mim, tudo também está.

5. É “proibido” comparar-se com quem quer que seja. Cada um é único e incomparável.

6.Vou só pensar o melhor de mim. Paro de me limitar pela opinião das pessoas e da sociedade. Vivem me cobrando determinadas condutas, mas estou aprendendo a tirar a importância disso, examinado o que me convem. Cada pessoa é apenas uma pessoa, como eu, e todos têm direito a terem opiniões. Respeitando as características e posição de cada um, respeito também as minhas e dou-me valor e importância. Essa postura nada tema a ver com desprezo ao outro ou orgulho, e sim com justeza de valores porque sou responsável por mim e só eu posso saber o que me serve ou não.

7. Pessoas que se deixam ficar sofrendo o que já aconteceu podem ser chamadas de “marcadas pelo destino” e vivem carregando o “defunto”.

8. Eu não sou fruto do meu passado e sim do que valido hoje, porque já não sou aquela pessoa que vivi e sim a de hoje. Para isso, cultivo idéias que possam renovar o fluxo da vida.

9. O que importa são as faculdades e habilidades desenvolvidas. Não importa o tempo que levei para isso. Posso sentir prazer por minhas habilidades, porque elas me conduzem a outras.

10. Farei o que quero, segundo a minha consciência, apesar de outro não querer. Mexer no gosto alheio eu não posso, mas sou livre para escolher o meu.

11. Se tenho medo vejo empecilho em tudo. Se rompo o medo, vou pelo meu feeling e ele não erra. Assim me dou valor e começam a chegar inspirações e intuições.

12. Uns vão ágeis e outros lentos; uns articulam melhor a vida que outros. Porque, alem das experiências passadas, há as escolhas atuais, de posturas, idéias e valores, que podem me manter como era ou melhorar ou piorar minhas formas de viver. O Espírito não regride no que aprendeu de verdade…

13. De vez em quando, pare e examine: quais padrões tenho? O que escolho para pensar e crer? Depois disso terei condições de verificar se quero ou não continuar assim.

14. A vida não é dura. Eu é que sou! Ela funciona para mim como determino pela minha forma de ser. Sou eu que devo mudar e não os outros ou a Vida.

15. Paro e culpar os outros. Fui criado de um modo, mas hoje posso me respeitar, me apoiar, me dar oportunidades, me educar espiritualmente… Chega de me fazer e coitado para ganhar afeto!

16. Sou um ser de escolhas. Pego e largo o que quero, na hora que quero.

17. Meu ângulo de visão pode ser focado nos traumas, nas perdas, nas dores ou na paz, nas oportunidades renovadas, na alegria de viver e na realização pessoa.

E – Conclusão
Os valores que a sociedade humana ostenta são os divulgados pelos interesses de alguns grupos poderosos e não todos os que nela existem. Sem atenção a isto nos iludimos muito, “comendo gato por lebre”.

Para ser aceito e reconhecido na sociedade, dois principais caminhos se apresentam: subjugar-se

a seus valores, deixando de ser quem é ou assumir-se, ser si mesmo, garantindo-se em todas as situações, apesar

das críticas e agressões dos interesses e opiniões contrariados; mas com isso fazer-se respeitar.

A sociedade não deve ser execrada, até porque estamos nela… Assim como não é isolando-se que viveremos melhor. Mas ao entender o momento presente como fruto do passado coletivo, respeitando as motivações das pessoas e aproveitando o que nos serve e convem, trabalhamos pela nossa paz e pelo equilíbrio geral. Podemos agir um pouco melhor a cada dia e até abraçar a divulgação de valores construtivos.

Vivemos num tempo em que a liberdade começa a ser conhecida de forma ampla e ainda não sabemos lidar com ela. Por outro lado, nunca se teve tanto de tudo, embora permaneçam existindo a fome, a miséria e o abuso. Que possamos, então, colaborar com a nossa parte sem nos contaminarmos ou adoecermos moralmente.

No Espiritismo, entendido como filosofia científica, encontram-se os raciocínios necessários para nos firmarmos em nós mesmos e desempenharmos, a contento, nosso papel na sociedade, que não é maior e nem menor que o dos demais. É o nosso. E contribuirá para o Bem geral, se vivermos sem medo e sem pretensões, na consciência de sermos Espíritos em evolução, desenvolvendo a própria essência.

Esse é um momento único na história da Terra, porque temos abundância de tudo, oportunidades inúmeras e tantos recursos, de modo que aqueles que realmente desejam, podem encontrar saídas e soluções boas para as suas necessidades e aspirações.

É claro que ainda a injustiça social predomina, porque o orgulho prevalece, acompanhado dos seus filhos: vaidade, prepotência, preconceitos, egoísmo, medo, manipulações e má fé. Tudo isso faz parte da evolução dos terráqueos e será gradativamente superado. O que não significa cruzar os braços, mas ao contrário, fazer a sua parte, tanto interna quanto externamente, pela participação social. Cada um, como queira e possa…

Moralmente também progredimos muito e hoje, apesar de tudo, temos leis mais justas, condutas mais moralizadas e ação benemérita em muitos campos, manifestadas por grande parte da sociedade. E também, uma exposição das condutas, cada vez maior, coisa que antes não havia, por predominar a hipocrisia generalizada e vista como mal necessário.

Essa exposição de tudo e de todos, aparenta termos um caos moral, porque grande parte do que ficava oculto anteriormente, agora vira noticiário de TV e jornais. Mas não há um caos e nem regredimos. Isso é ilusório. Só estamos vendo o que já havia, mas estava sempre sendo ocultado. Alem do que, acreditar numa crise moral favorece os mal intencionados, encarnados e desencarnados, pela fragilização social que acarreta, como se estivéssemos á mercê da malignidade, da astúcia perniciosa e das “trevas”.

Basta ver quanta gente é correta, verdadeiramente digna, quantos se dedicam seriamente a causas sociais e nobres, coisa que não é divulgada, porque não escandaliza e nem traz lucros egoísticos …

Porem, é fato que quanto mais pessoas viverem com medo e desiludidas do Bem, buscando fora de si e nos “salvadores” a solução para aquilo que é seu, mais estão facilitadas as ações maldosas e dominadoras da consciência humana.

Há forças que lutam pela manutenção do medo, da inação, dos excessos, do status quo, dos temores religiosísticos, dos preconceitos, do terrorismo moral, e da divulgação só do que é ruim; ou seja, puxam para “baixo”, para o lado contrário ao da libertação pessoal e social, pois esta implica em confiança em si e na Vida e pelo gosto de renovar- se, sem culpas e sem baixa estima.

Nossas relações são 99% fluídicas e o que pensamos estabelece o ambiente que criamos ao nosso redor, que se junta com os dos outros. De modo que se a prevalência for de agressividades, por exemplo, essa característica acaba contaminando muita gente e Espíritos descuidados, que passam a se comportar dessa maneira por puro modismo, sem auto-análise e sem auto-observação sobre o que serve ou não, para si. E fica parecendo que todos são violentos; mas é só uma criação artificial que vai se instalando, e pode dominar.

A observação do que se pensa e sente é um chamamento espírita, para irmos tomando conta de nós mesmos e conseguirmos escolher o que nos convem. Todavia, se nossa intenção é sermos iguais aos outros ou se tememos a independência moral, então só nos resta a conduta de rebanho conduzido.

O Espiritismo nada proíbe, ao contrário, nos ensina que temos arbítrio sobre as decisões e escolhas; mas também nos fala do bom senso de examinarmos tudo, respeitarmos todos e buscarmos nos conhecer para saber qual o nosso lugar na sociedade, na família e dentro de nós mesmos.

Como já foi dito, a moral espírita é feita do conhecimento dos Princípios do Espiritismo, norteados pelo ensino de Jesus, de agirmos com o outro como queremos que ajam conosco. Com essa moral, vivenciada da maneira e o quanto possamos, nada há que temer. As dificuldades fazem parte do crescimento pessoal e coletivo, para o ganho de auto-domínio e desenvolvimento das nossas potencialidades.

Crise ou oportunidade? Uma, outra ou ambas?

Depende de como cada um vê as coisas…


A vida de Chico Xavier

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